05/07/2008

A história virtual de alguns ideólogos de direita


Agora no findar da vida deu-me para ser historiador e tão convencido ando nesta nova veste que já me ponho a criticar os meus confrades.
Vem isto a propósito de seminário sobre História Virtual de Portugal realizado no Instituto de Ciências Sociais e coordenado por Fernando Martins e Rui Ramos.
O Público já tinha dado uma notícia desenvolvida. Hoje resolveu começar a relatar as comunicações e aquela que mais o sugestionou foi o que teria acontecido se Jorge Sampaio não tivesse convidado Santana Lopes para formar Governo. A comunicação foi apresentada por Carlos Gaspar e a conclusão que tirou foi a mais disparatada. Dado que até aí os Presidentes da República tinham convocado eleições sempre que um primeiro-ministro se demitia, se desta vez Jorge Sampaio actuasse do mesmo modo teríamos na prática um “presidencialismo” de primeiro-ministro, pois era ele que influenciava a convocação de eleições, o que levaria os partidos do centrão, em próxima revisão constitucional, a retirarem poderes ao Presidente da República, como seja a sua eleição por sufrágio directo e universal. Isto é um exemplo, quanto a mim feliz, das idiotices que se podem apresentar nesta história virtual de Portugal. Mas este é dos mais inócuos. Nada aconteceria de importante se em vez de ter sido como foi tivesse sido doutra maneira. É mera especulação e brincadeira de historiadores.
Mas o assunto tem outras implicações mais ideológicas, ou não estivesse metido na organização deste evento, Rui Ramos, que já classifiquei, em texto anterior, como um camelot du roi . Assim, no texto de hoje do Público logo no cabeçalho é destacado que esta história virtual é uma “reacção contra as escolas deterministas marxistas e dos “Annales” (revista de história francesa que teve grande influência entre alguns dos nossos melhores historiadores).
Depois desta afirmação de princípio, vamos aos factos e aqui é que "a porca torce o rabo". Rui Ramos tem uma comunicação sobre “O que teria acontecido se o Rei D. Carlos não tivesse sido assassinado em 1908?"; mas uma das que me pareceu mais sugestiva, e que foi resumidamente referida em edição anterior do Público (é muito difícil fazermos links para o Público), é “O que é que teria acontecido se a oposição não tivesse desistido nas eleições de 1945?”, de David Castaño. Nela, o autor diz que foi o sectarismo do PCP o responsável por a oposição não ter ido a votos naquelas eleições (Novembro de 1945), que teriam permitido acabar com o fascismo muito mais cedo. Este autor não intui que depois de Salazar ter garantido, em Agosto desse ano, que pretendia que as eleições fossem “tão livres como na livre Inglaterra”, fez tudo, já depois de ter assegurado o apoio dos ingleses e norte-americanos, para transformá-las em mais uma das suas farsas eleitorais.
Já se percebeu que esta história virtual, não deixa de ser aquilo que os seus autores queriam que tivesse sucedido se as coisas não se tivessem passado como passaram. Os marxistas actuais há muito que já abandonaram qualquer determinismo na história humana, mas certos historiadores, incapazes de aceitarem o rumo que os acontecimentos tomaram, praticam esta história virtual como modo de desvalorizarem os acontecimentos da época e desse modo poderem influenciar para a direita os acontecimentos de hoje. Por isso parece-me pouco séria esta sua história virtual.

PS.: é evidente que não assisti às comunicações. Só li a notícia hoje do Público e a primeira que saiu naquele jornal, que reproduzo de memória, pois não consigo localizá-la na net.

Sem comentários: