29/12/2008

Um herói do nosso tempo


É hoje comum as críticas, as graçolas, ao passado revolucionário de alguns dos políticos actuais. O passado pró-chinês de Durão Barroso volta não volta regressa à ribalta. Mas, não é só o dele, são, para meu deleite, o desse xaroposo João Carlos Espada ou do actual director do Público, a personificação da bem pensância nacional.
Vem isto a propósito de, no outro dia, ter aparecido na SIC Notícias o Carvalho da Silva e João Vieira Lopes, este último em nome da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, de que é Vice-presidente, a pronunciarem-se sobre o chumbo pelo Tribunal Constitucional de um artigo do novo Código de Trabalho aprovado pela maioria PS no Parlamento. Já se sabe, Carvalho da Silva concordando com o chumbo e considerando que havia outros artigos igualmente inconstitucionais e João Vieira Lopes atacando a decisão do tribunal.
Tem sido vulgar João Vieira Lopes aparecer na televisão. Já esteve num Expresso da Meia-noite e aparece muitas vezes como porta-voz daquela associação do patronato. No entanto, não se pode dizer que seja uma figura pública conhecida e muito menos o seu passado. Refiro-me a ele unicamente porque o conheci e fui vítima, mesmo que indirecta, da sua militância política “esquerdista”.
Há tempos tinha lido um livro um pouco perturbador, por ser a confissão pública de um denunciante e da sua posterior colaboração com a PIDE, onde Vieira Lopes é amplamente citado. O livro chama-se Conquistadores de Almas e é de Pinto de Sá. Aí João Vieira Lopes aparece como responsável por uma das míriades de organizações marxistas-leninistas (M-L) que existiram nos finais dos anos 60, princípios de 70. A dele seria, segundo a informação prestada por aquele autor, o CCRM-L – Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas (ver aqui e também aqui, onde são citados os seus principais dirigentes, que incluía o actual ministro Mariano Gago).
Esta é de raspão a descrição da personagem pública. Mas que conheço eu do seu passado?
Como já aqui tenho referido, fui durante muitos anos dirigente do Cine-Clube Universitário de Lisboa (CCUL). Era vulgar, por causa da sua sede ser próximo do Instituto Superior Técnico e o cinema onde se realizavam as sessões ser na mesma área, que muitos dos seus colaboradores e dirigentes fossem alunos daquele Instituto. Como sempre sucedia, uma fornada de jovens alunos do Técnico apareceu nos finais dos anos 60 a oferecer-se para colaborar. João Vieira Lopes foi um deles, segundo alguns dados que recolhi pertenceu mesmo à Direcção de 1968-69. Por essa altura, já no fim da minha “longa” carreira universitária, tinha deixado de participar activamente no Cine-clube. Naquele ano lectivo, o último, entrei para a Direcção da Associação de Estudantes de Ciências. Este episódio já aqui foi relatado.
Como na preparação da lista candidata a Ciências fosse necessário fazer algumas reuniões, houve uma que inesperadamente não pôde ser feita na Associação, decidi por isso, como tinha a chave do Cine-clube, reunir lá. No dia seguinte contei isto ao Vieira Lopes. A resposta, própria de um pequeno tiranete, foi que assim me iriam tirar a chave. Ou seja, a lista era “associativa”, como então se chamava às listas progressistas, não havia qualquer perigo para a segurança do Cine-clube, mas sua excelência achava que devia exibir o seu poder.
Este episódio é um “fait-divers”, sem qualquer importância. O mais significativo é o que vem a seguir.
Provavelmente por volta de 1970 ou 71, num local que eu hoje não consigo precisar, houve uma reunião de dirigentes e colaboradores do Cine-clube em que eu estive presente. Não me lembro o que se ia discutir. Sei que a determinada altura Vieira Lopes, com ar sério, começa a falar de uma infiltração social-fascista no Cine-clube. Fiquei estarrecido. Não se estava a referir a mim, era evidente, eu era suficientemente mais velho do que os presentes para ter a pouca vergonha de me considerar um social-fascista infiltrado. Também não se referia a nenhum infiltrado da PIDE, como o termo fascista poderia deixar entender. Mas sim a dois colaboradores, também vindos do Técnico, que tinham, segundo me recordo, colaborado activamente num ciclo de cinema documental sobre a América Latina, com textos claramente de esquerda, e que para Vieira Lopes, e provavelmente a maioria dos presentes, deviam ser suspeitos de pertencer ou professar ideias próximas do PCP. Um deles, de facto, encontrei-o, depois do 25 de Abril, numa realização do PCP.
Para mim aquilo era um insulto, não podia contemporizar com afirmações daquele tipo. Protestei, como não encontrei eco, fui-me embora, nunca mais voltei ao CCUL.
Tempos depois telefonaram-me, pensei que era para me pedirem desculpa. Nada disso, era pura e simplesmente a pedirem-me a devolução de alguns livros que tinha requisitado à biblioteca. Assim se acabou uma relação de anos com o Cine-clube.
Vim a encontrar mais tarde o Vieira Lopes no assalto e destruição da Embaixada de Espanha, na rua do Salitre. Acontecimento que teve lugar nos tempos do PREC, a 27 de Setembro de 1975. Naquele dia já se antevia que a extrema-esquerda organizasse manifestações, pois tinham sido executados na véspera pelo regime de Franco cinco militantes bascos das FRAP e da ETA. Por isso, nessa noite, passei pela Avenida da Liberdade a caminho de casa, para ver o que se passava. Assisti à barafunda, ao incêndio da Embaixada e ao Vieira Lopes a comandar um bando de jovens que se preparavam para seguir para a outra dependência da Embaixada, existente na Praça de Espanha.

Aqui temos o percurso de um “revolucionário”, um herói do nosso tempo, que depois de estar “sempre, sempre ao lado dos trabalhadores” se passou, com armas e bagagens, para o lado do patronato.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Jorge Nascimento Fernandes,

Enganou-se novamente nos nomes (não é grave). O descobridor (tardio) do Popper, Hayek, etc, não é José Carlos Espada, mas sim Sir João Carlos Espada.
Abraço.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Obrigado pela correcção.Já está alterado.