24/02/2009

O cimento ideológico que continua a chocar o ovo da serpente

Nada tenho contra o blog a Terceira Noite, de Rui Bebiano. Encontro sempre nele algum motivo de reflexão ou de ensinamento. No entanto, há certas afirmações que não compreendo ou que considero injustas.
Assim, um post dedicado ao julgamento de mais um criminoso do regime Khmer Vermelho, que governou o Cambodja entre 1975 e 1979, termina assim: “de vez em quando aponta-se o dedo aos criminosos, nomeados um a um sempre que morrem de velhice ou são presentes a tribunal, mas deixa-se em paz o cimento ideológico, de recorte apocalíptico e supostamente redentor, edificador de humanidades «novas» sem alma, que deu coerência a uma doutrina transformada em arma de agressão e de terror. Esse continua a chocar o ovo da serpente.
Nesta prosa não se percebe se há hoje algum partido político ou corrente ideológica que se reivindique daquele regime e que por esse motivo continue “a chocar o ovo da serpente”. Ou se os que se propõem “edificar humanidades “novas”” querem instituir regimes semelhantes aos do Cambodja.
Penso que este é um debate que transcende em muito as preocupações em relação àquele regime e que se insere numa discussão mais vasta: se é possível propor outra sociedade como, por exemplo, propõem os altermundistas. Ou se podemos transformar a actual noutra bem diferente e melhor. Eu temo que a resposta de Rui Bebiano seja não.
Mas não é esta a discussão que me interessa neste momento. Já que estou a falar com um historiador, convém recordar algumas realidades a propósito deste desgraçado caso do Cambodja. Primeiro quem derrotou e libertou o povo cambodjano dos seus criminosos dirigentes foi o regime “socialista” do Vietname, ajudado por forças políticas cambodjanas. Segundo, foi o mundo ocidental, capitaneado pelos americanos, e a China que continuaram a reconhecer o Kampuchea Democrático (era assim que o país era denominado) e a apoiar o partido dos Khamer Vermelhos e os seus dirigentes, já que estes eram aliados da China de Mao e combatiam os vietnamitas, apoiados por Moscovo. A história é triste e é daquelas que as democracias ocidentais esqueceram facilmente. Mas há mais e este facto tem ficado na sombra.
Em Portugal foi criada uma Associação de Amizade entre o regime derrubado e o nosso país, associação essa dirigida por um democrata respeitável, chamado Vasco da Gama Fernandes, que o mínimo que posso dizer é que nem saberia, com a idade que tinha, onde é que aquele país se situava. Esta associação foi promovida principalmente por um partido político maoista, que no campo da provocação anti-comunista teve algum relevo, que era a AOC, que garantia que “cada voto na AOC era uma espinha cravada na garganta do Cunhal”. Esta AOC era dirigida pelo Eduíno Vilar, antigo estudante do Técnico, que mais tarde se filiou no PSD e tentou concorrer, sem êxito, a qualquer prebenda oferecida por aquele partido.
São tudo histórias tristes, mas que não nos permitem com tanta simplicidade distinguir os bons dos maus, e quem é que alimentou ou alimenta o ovo da serpente.
Tinha acabado de colocar este post quando volto à Terceira Noite e não é que o nome que Rui Bebiano dá ao seu mais recente post é Três tristes talibans passeiam-se por Braga. Porque é que se havia de nomear os talibans, que para aqui não são chamados, e não se poderia escrever Três tristes reverendos, ainda com o cheiro da Inquisição nas vestes, passeiam-se por Braga. Será que se os deixassem seriam melhores?
Este episódio refere-se a uma preocupante acção censória que esta semana tem estado a atacar a população portuguesa. Depois de Torres Vedras, a vítima agora foi um livreiro que tinha exposto um livro de pintura que reproduzia na capa o célebre quadro de Courbet, “A origem do Mundo”, com o desenho do sexo de uma mulher, que ainda há bem pouco tempo apareceu reproduzido no Público, penso que na P2

1 comentário:

Unknown disse...

Bom post. O seu a seu dono.

Quanto à nota.
"Este episódio refere-se a uma preocupante acção censória que esta semana tem estado a atacar a população portuguesa."

Será só esta semana? Ou será: que esta semana tem estado em destaque na comunicação social?

Pena é a comunicação social só olhar para certos assuntos quando aparece um caso que vende: Magalhães, gajas nuas, Carnaval, ...