28/03/2009

Um debate à esquerda

A livraria Círculo das Letras tem desenvolvido uma meritória actividade cultural e política de divulgação de livros e de pintura e, por vezes, permitindo o debate entre as várias visões da esquerda.
Com este objectivo, realizou ontem mais um debate sobre o livro de José Neves, Comunismo e Nacionalismo em Portugal – Política, Cultura e História no Século XX (Tinta da China, Edições, 2008). Participaram nele, além do autor, Vítor Dias e Miguel Portas.
Pensava que a sessão seria um sucesso, mas correndo bem e com uma sala composta não foi quanto a mim o êxito de público que eu esperava, dadas as ligação políticas dos dois principais comentadores do livro: Vítor Dias, ao PCP, e Miguel Portas, ao Bloco.
José Neves é um jovem da geração da minha filha e seu grande amigo, que eu conheço desde que pertencemos os dois à Direcção do Sector Intelectual da Organização de Lisboa do PCP, no tempo em que ainda lá pontificava a Helena Medina. Afastámo-nos na mesma altura, cada um seguindo o seu percurso.
Tive o prazer de assistir ao seu doutoramento, a que fiz uma breve referência neste blog, e depois ao lançamento do seu livro em Lisboa. Tive conhecimento que um dos seus apresentadores em Coimbra, tinha sido Rui Bebiano, que para o efeito fez um texto para o seu blog escorreito e de que gostei.
A representar a livraria, presidindo à mesa, estava o Fernando Vicente, um velho companheiro das políticas, que muito prezo e admiro. No final, satisfeito com a realização, congratulou-se por ter sido possível juntar na mesma iniciativa dois actores de duas áreas da esquerda, que têm andado de costas viradas. Prometeu que este ano se iriam realizar outros debates do género.
Quanto ao tema em discussão irei dar, segundo a minha versão, sempre falível em relação àquilo que os intervenientes dizem, os dois pontos de vista que foram expressos pelos dois comentadores do livro.
Vítor Dias afirma que não concorda com a utilização do termo nacionalismo aplicado à visão do PCP tem da realidade nacional e critica a frase escrita na capa, que afirma que a história da oposição entre o PCP e o Estado Novo é aquela que opõe o nacionalismo comunista ao nacionalismo fascista. Depois interpreta a adesão do PCP aos valores nacionais como resultado da sua particular visão da realidade nacional, de país colonizador e simultaneamente colonizado, e da definição que aquele partido dá do Estado fascista, que obriga à unidade de todas as classes anti-monopolistas contra os monopólios que são o seu sustentáculo. Esta caracterização da realidade leva a que o PCP defenda valores que extravasam a própria classe operária e se considere como representante dos interesses nacionais, contra uma classe parasitária ligada ao imperialismo estrangeiro.
Miguel Portas tem uma explicação diferente para o mesmo fenómeno. O enraizamento do PCP na realidade nacional, resultaria, como já tinha acontecido com os Partidos sociais-democratas da II Internacional, na inserção desses partidos na realidade da Nação que era uma criação recente, que não tem mais de cem anos. Podemos resumir, afirmando que a força das novas nações tinha postergado para segundo plano a afirmação de Marx de que os trabalhadores não têm Pátria. E termina, com esta revelação importante de que o próprio Bloco de Esquerda era, neste momento, vítima deste dilema, ou seja, a realidade nacional e a sua importância para os trabalhadores portugueses estava-se a impor sobre a própria internacionalização do trabalho.
José Neves, sem ter a preocupação de rebater ponto por ponto estas duas visões, foi afirmando que por exemplo a frase transcrita da capa do livro é um pouco mais completa do que o que tinha afirmado Vítor Dias e leu-a na sua totalidade, para que não restassem dúvidas: “A história da oposição entre o Partido Comunista Português e o Estado Novo é em parte a história da contradição entre o internacionalismo comunista e o nacionalismo fascista, mas é também, vê-lo-emos ao longo deste livro, a história da oposição entre dois tipos de nacionalismo.” Realçando devidamente este mas é também.
Manifestou desagrado pela expressão enraizamento referida, penso, pelos dois intervenientes, pois considerava que levada à letra permitiria que se considerasse o PCP como um partido estranho à realidade nacional, que só posteriormente se teria enraizado nela. Houve mais algumas críticas da sua parte que permitiram tornar vivo todo o debate.
Se me é permitido meter a colherada, e falar de um livro que ainda não li, mas de que já possuo bastante informação, eu estaria de acordo com Vítor Dias sobre a utilização, que me parece um pouco provocatória, do termo nacionalismo para falar das posições do PCP e preferiria o termo patriotismo. Não tenho qualquer dúvida que os factos relatados pelo José Neves correspondem àquilo que eu chamaria a progressiva nacionalização do PCP e que, com alguma audácia interpretativa da minha parte, remontariam, com o atraso típico português, à política corresponde à proposta de formação das Frentes Populares, resultantes do VII Congresso da Internacional Comunista, que teve lugar em 1934. Podemos dizer que com a Greve Geral falhada de Janeiro de 1934, a que correspondeu o chamado soviete da Marinha Grande, termina para o PCP a sua fase obreirista ou operária, como preferirem, e iniciar-se-ia – com todas as contradições próprias de um pequeno partido, vítima da repressão e ainda sem um corpo dirigente estável – a da criação de um partido antifascista, com as características que Vítor Dia lhe atribui.
Nesta discussão, não deixaria de louvar a análise da realidade do PCP traçada pelo José Neves. E consideraria as propostas de Miguel Portas, sobre a influência da ideia de Nação na nacionalização do PCP, como um campo igualmente a explorar.

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