03/06/2009

Há sempre um jornalista nostálgico do Império


Não tenho dado muita atenção a este movimento moderno de andarmos todos à procura das sete maravilhas de qualquer coisa. Parece que primeiro foram as do mundo e depois as de Portugal. Apesar do ar pomposo e de concurso televisivo que estas iniciativas acarretam, não sou contrário a elas, pelo menos dão alguma ilustração a quem as segue e permite, uma revisão actualizada de grandes obras arquitectónicas que fizeram época. É de facto uma iniciativa cultural que a priori não desprezo.
Desconhecia que estava em andamento uma nova iniciativa neste campo, mas todos os dias a televisão pública tem-se vindo a encarregar de nos mostrar mais um lugar por onde os portugueses passaram e deixaram obra. São as sete maravilhas de origem portuguesa no mundo. Vi com agrado as imagens e segui as descrições dos monumentos e a história da sua construção. Não me apercebi que a escolha estava programada para ser apresentada no dia 10 de Junho, em Portimão, com pompa e circunstância. Mas o mais grave foi quando comecei a ver as reportagens da Índia.
Sandra Felgueiras era a jornalista da RTP que fazia a reportagem dos monumentos que fomos deixando pelas antigas possessões que possuíamos na Índia. Até aí tudo bem, no entanto, para espanto meu não eram só os monumentos que nos eram mostrados, eram meia dúzia de indianos nostálgicos do Império, que cantavam canções portuguesas e se declaravam ainda a favor da manutenção da nossa presença colonial. A locutora embalada por estas personagens lá ia debitando textos patrióticos, relatando a resistência ao invasor indiano, como actos heróicos que deveriam ser assinalados. Só faltou condenar mais uma vez Vassalo e Silva, o último Governador da Índia, que, contra as ordens de Salazar, resolveu render-se, protegendo assim a vida dos seus soldados e das populações e por isso foi condenado como traidor. No entanto, passados estes anos sobre o fim do Império, uma jornalista vem louvar os indianos que ainda querem ser portugueses e o comandante de um navio que teria resistido ao invasor indiano. Deixámos os monumentos e as suas maravilhas, para nos afundarmos, quando menos esperávamos, na pior retórica nacionalista e patrioteira. Há sempre uma jornalista nostálgica do Império.
Imagem da Sé Catedral de Goa. Clique na imagem para aumentá-la.
PS. (03/06/09): Ainda este texto não tinha secado, como se dizia antigamente nos jornais, e já o Público na sua edição de hoje relatava a existência de um abaixo-assinado subscrito por diversos historiadores contra os textos que acompanhavam algumas das sete maravilhas de origem portuguesa no mundo. Referiam-se eles que algumas das construções tinham servido de apoio ao tráfego de escravos feito pelos portugueses e que esse relato estava omisso na história oficial que acompanhava a descrição de alguns dos monumentos. Vinha depois a justificação do historiador, que é o responsável científico pelo evento.
Sobre a parte propriamente histórica não quis, nem quero, pronunciar-me, já que não sou especialista na matéria, mas a priori, e conhecendo o pendor revivalista deste tipo de iniciativas, não me custa perceber as razões de tal abaixo-assinado. Pelo menos as reportagens televisivas que eu assinalei pecavam indiscutivelmente por um nacionalismo bacoco.
PS. (04/06/09): Estive a ler hoje no blog da Joana Lopes o texto dos peticionários. Fiquei tão impressionado com o que dizem, que desde já indico aqui o local onde o podem assinar, bem como aconselho os meus leitores a o fazerem. Eu já assinei.

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