02/06/2009

Uma ida a Madrid


Como já referi noutro post, por motivos de saúde tive que ir tratar-me a Madrid. Durante um mês andei a caminhar para aquela cidade e, por fim, cheguei mesmo a lá passar uma semana.
Já conhecia Madrid. Por cómico que pareça conhecia melhor Madrid entre os meus 8 e 10 anos, com vários regressos na adolescência, do que posteriormente, durante a vida adulta. Pois quando ia a Madrid era sempre de passagem, um pouco a correr.
E porquê? Por um lado os meus pais gostavam de viajar e por outro, a vida em Espanha, naquela época, era muito mais barata do que em Portugal. No início dos anos 50 do século passado, com a peseta a 70 centavos e depois a 50, a classe média baixa podia dar-se a luxos que em Portugal não podia usufruir. Por isso, naqueles anos juvenis, todos os Verões, ia dar uma volta por Espanha, que começava ou terminava invariavelmente em Madrid. Instalava-me com os meus pais num hotel existente na denominada, na altura, Calle José António Primo de Rivera (antigo chefe da Falange e que foi morto no início da Guerra Civil), mas que os espanhóis nunca deixaram de chamar Gran Vía.
Nessa época, para quem a viveu, um hotel tinha pensão completa, almoçava-se e jantava-se no mesmo. Um miúdo da minha idade era incapaz de gostar daqueles pratos, pouco abundantes em conduto, onde uma posta de peixe frito vinha acompanhada de uma folha de alface e, vá lá, de alguma rodela de tomate. No entanto, deliciava-me, porque era diferente do que estava habituado, a substituição da sopa pelos hors-d’oeuvre, que eram um pouco uma introdução ao que mais tarde vim a conhecer e a apreciar, as tapas espanholas.

Os dias em Madrid estavam mais quentes que em Lisboa. Saía desta cidade com ligeiros abafos e tinha sempre que os tirar à chegada a Madrid. Quem fala do clima ameno da nossa cidade esquece muitas vezes que nem sempre é assim. Lisboa é uma cidade ventosa, onde lamentavelmente nem sempre é possível beber amenamente uma cerveja numa esplanada.
Para quem tinha que se deslocar todos os dias em Madrid a horas certas, os transportes funcionam bem. Tem logo um metropolitano, que nos leva do aeroporto, em poucos minutos, ao centro da cidade. Depois tem uma rede de metro que cobre toda a malha urbana e autocarros rápidos e com intervalos pequenos. Diria que foi possível cumprir os horários que me estabeleceram deslocando-me nos transportes públicos.
Fiquei impressionado com a quantidade de árvores existente em todas as ruas. Posso com toda a certeza garantir que as zonas verdes e a arborização são maiores em Madrid do que em Lisboa.
É evidente que Lisboa tem o Tejo, tem bairros mais antigos e vielas mais castiças do que Madrid. Esta não é uma cidade medieval, a zona mais antiga, a que envolve a Plaza Mayor, parece remontar ao século XVI e XVII. Mas a parte velha está muito bem conservada. Depois temos a Madrid do início do século XX, a Gran Vía, a Calle Acalá, com uma monumentalidade que Lisboa nunca teve e que só podemos encontrar, num modesto paralelo, na Avenida dos Aliados, no Porto.
Há no entanto uma coisa que me escandalizou nesta Madrid hodierna, é que não há no nome das suas ruas qualquer referência aos políticos republicanos. Não encontramos, que eu visse no mapa da cidade qualquer calle com o nome de Largo Caballero, Juan Negrín, os dois últimos primeiros-ministros do Governo republicano, ou Manuel Azaña, o último presidente da República, e, no entanto, encontrei ruas com os nomes de generais da insurreição fascista, o general Yagűe, o assassino de Badajoz, o general Varela, que ocupou com aquele a Estremadura espanhola, ou Moscardó, que resistiu no Alcázar de Toledo e que durante muitos anos, e não sei se ainda hoje, serviu para manter viva a “heroicidade” fascista. Permanece ainda uma Avenida Comandante Franco, o ditador. Apesar da Avenida Generalísimo Franco ter retomado o nome anterior de Passeo de la Castellana. Mantém-se igualmente ainda uma Avenida Caídos de la Divisíon Azul, que foram as tropas espanholas que combateram ao lado Hitler na batalha de Estalinegrado.
E num jardim, o Parque Oeste, perto da Praça de Espanha, encontrei um monumento aos Caídos do Quartel de la Montaña, com a data de 1972, antes da transição, e que era uma homenagem aqueles que iniciaram em Madrid a revolta fascista e que morreram, quando as massas populares os cercaram e derrotaram.
Sobre este episódio, e porque encontrei este texto na internet aqui vos deixo a descrição que dele faz Luís Buñuel, nas suas memórias denominadas O meu último suspiro (Distri Editora, 1983).
Em Julho de 1936, Franco desembarcava à cabeça das tropas marroquinas com a intenção firme de acabar com a República e de restabelecer a "ordem" em Espanha.
A minha mulher e o meu filho tinham voltado para Paris, um mês antes. Eu estava sozinho em Madrid. Uma manhã, muito cedo, fui acordado por uma explosão, seguida de muitas outras. Um avião republicano bombardeava o quartel de la Montaña, e ouvi também alguns tiros de canhão.
Nesse quartel de Madrid, como em todos os de Espanha, as tropas estavam detidas. No entanto, um grupo de falangistas procurara aí refúgio e já há alguns dias que os tiros partiam do quartel, atingindo os transeuntes. As secções operárias já armadas, apoiadas pelos guardas de assalto republicanos – força de intervenção moderna fundada por Azaña –, atacaram o quartel na manhã de 18 de Julho. Às dez horas tudo estava terminado. Os oficiais rebeldes e os membros da Falange foram fuzilados. A guerra havia começado.
” (Este texto seguiu a tradução da edição portuguesa. O texto da internet é uma tradução brasileira).
Depois desta minha revolta contra a ausência de qualquer toponímia republicana encontrei igualmente na internet este texto do El País que relata a votação que teve lugar no Município de Madrid, em Janeiro de 1980, sobre a mudança de nome de muitas ruas que ostentavam denominações do tempo da ditadura de Franco. O número de alterações pareceu-me modesto, vinte e sete ruas, tendo em atenção o verdadeiro culto da mudança toponímica do fascismo espanhol, sem qualquer semelhança como que se verificou em Portugal. Mas o mais grave foi que as ruas adquiriram os nomes que retinham em 18 de Abril de 1931, quando foi implantada a República. Ou seja, nada que lembrasse a República poderia subsistir em Madrid. Esta transição pacífica, que tanto agrada ao CDS, dá nisto, a memória de uma época continua a ser esquecida na recordação dos seus descendentes.
Fui consultar também na internet ruas com os nomes referidos, verifiquei, para minha alegria, que nos arredores de Madrid, provavelmente em algum município governado pela esquerda, os nomes daquelas personagens republicanas já apareciam e até o de Dolores Ibarrure, o que me deixou medianamente confortado.
A prosa já vai longa e noutra altura poderei acrescentar mais algumas reflexões sobre esta minha visita àquela cidade.
Fotografia de Largo Caballero e Santiago Carrillo na frente de Guadarrama. Clicar na imagem para a ampliar.

3 comentários:

o castendo disse...

Bom dia,
Sobre o mesmo acontecimento pode ver no Castendo os textos de Álvaro Cunhal sobre o quartel de la Montaña retirados do livro «A casa de Eulália».
http://ocastendo.blogs.sapo.pt/591251.html e seguintes.
Pode também pesquisar em Março Abril quando saíram diariamente textos, música e poesia sobre a Guerra Civil.

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Obrigado pela sua sugestão. Estive a ler a prosa de Álvaro Cunhal e pareceu-me que a descrição que ele faz dos acontecimentos do Quartel de la Montaña não se distanciam do que muito mais resumidamente Buñuel relatou sobre o assunto. Ainda bem.
Não era minha preocupação abordar neste texto o que foi a Guerra Civil Espanhola. Consistiu unicamente num lamento de alguém que em Madrid não encontra no nome das ruas a mais pequena referência a um dos lados da contenda.

Anónimo disse...

Sim, achei interessante a tua aproximação a Madrid e as criticas que fazes relativamente às habituais lacunas democráticas ,lá como cá,que relevam de uma memória esquecida. Madrid é muito interessante na sua monumentalidade e espelha nas suas avenidaS e edificios em cantaria a força económica de uma burguesia que aproveitou bem
a pilhagem das Américas.A propósito,recomendo~te o livro de Santiago Carrillo sobre a Dolores Ibárruri,editora Planeta.