02/09/2009

Como o "social-fascismo" irrompe na campanha eleitoral


Não será o assunto mais importante. Só um coca-bichinhos como eu se dedicaria a escrever sobre este tema exótico, quando a campanha eleitoral está aí em força, cheia de pequenos fait-divers que permitem trocadilhos chocarreiros, como as afirmações disparatadas da mandatária para a juventude do PS – a dos caroços e da empregada.
No entanto, foi sobre as afirmações relativas ao social-fascismo que me resolvi debruçar.
Vital Moreira já tinha dado o tom. Na crónica semanal que tem no Público, publicou na semana passada (25 de Agosto) um artigo intitulado Arcaísmos de esquerda (sem link). Entre outras asserções provocadoras para a esquerda, à esquerda do PS, tem esta afirmação:
Ao ouvir certas declarações mais destemperadas de alguns dirigentes do PCP e BE (ver os seus últimos congressos), dir-se-ia que voltámos ao tempo em que os partidos estalinistas qualificavam de “sociais-fascistas” os partidos sociais-democratas, contribuindo dessa forma para abrir um fosso irreparável na luta contra a ascensão do nazismo e do fascismo nos anos 30 do século passado. Agora, é evidente que não está em causa sequer o regime democrático, mas não podem restar muitas dúvidas de que a principal prioridade de tais partidos é derrotar o PS, mesmo que isso acarrete, como seria inevitável, a entrega do poder à direita”.
Irene Pimentel não lhe quis ficar atrás, ou não fosse Vital Moreira o ideólogo oficial do socratismo, e assim num post no Simplex apesar de dizer “que jamais utilizaria a História para comparações abusivas com a realidade actual”, afirma depois, “se o fizesse, vir-me-ia logo à cabeça a forma como o Partido Comunista Alemão contribuiu para a subida de Hitler ao poder, ao erigir os sociais-democratas como «sociais fascistas». Claro que, ao ser criado o primeiro campo de concentração em Dachau, foram lá encarcerados tanto sociais-democratas como comunistas, mas o mal já estava feito. Upsss! Do que me fui lembrar e até estou a dar ideias!”. Este post retorquia a um texto crítico de José Neves no 5 dias (foi uma grande “contratação” para aquele blog) e que mereceu deste a devida resposta.
Na minha área política, os renovadores comunistas, também é frequente recordarem-me em relação a esta campanha eleitoral os tristes dias da ascensão de Hitler ao poder e esta posição ultra-sectária da Internacional Comunista e do PC alemão.
Como escrevi um longo texto sobre o assunto, diria com algum carácter pioneiro entre nós, já que a maioria dos textos escritos por alguns historiadores comunistas se referem à radical ruptura da Internacional, em 1935, no seu VII Congresso, com esta posição, sinto-me na obrigação de me referir a este tema lançando algumas pistas que os textos em causa esquecem.
Em primeiro lugar quem utilizou em Portugal o termo social-fascista foram os "esquerdistas", nos ataques que dirigiam ao PCP, antes e depois do 25 de Abril. Era vulgar o MRRP e posteriormente a AOC, cujo o chefe era um conhecido provocador, chamado Eduíno Vilar, acusarem o PCP de ser social-fascista, na sequência das posições dos maoistas, que acusavam a União Soviética de ter um comportamento social-imperialista e de os partidos que a apoiavam serem sociais-fascistas. Na altura, esta designação, que os maoistas tinham ido buscar ao léxico da Internacional Comunista, do início dos anos 30, soava aos ouvidos da juventude esquerdista como uma grande novidade terminológica, esquecendo-se do seu triste passado. Mas na sequência destas críticas, a rapaziada o PS, a que andava de braço dado com alguns AOC, aqueles que afirmavam que um voto na AOC era uma espinha cravada na garganta do Cunhal, muitas vezes no entusiasmo da crítica deixaram-se arrastar por esta terminologia e chamavam sociais-fascistas aos militantes do PCP.
Por isso, alguns ideólogos do PS seria bom que metessem a mão na consciência e vissem quem iniciou e utilizou no passado esta terminologia.
Em segundo lugar, Vital Moreira ainda afirma que esta classificação dos sociais-democratas como sociais-fascistas abriu “um fosso irreparável na luta contra a ascensão do nazismo e do fascismo nos anos 30 do século passado”, já Irene Pimentel provavelmente menos preparada ideologicamente afirma: “vir-me-ia logo à cabeça a forma como o Partido Comunista Alemão contribuiu para a subida de Hitler ao poder, ao erigir os sociais-democratas como «sociais fascistas»”. Nesta citação aquele chavão não enfraqueceu unicamente a luta mas contribuiu igualmente para a subida de Hitler ao poder. Já estamos pois no perfeito delírio de atribuir aos comunistas alemães a responsabilidade de um facto que em primeiro lugar, tem origem na direita, que com um medo atávico do avanço dos comunistas alemães preferiu vender a República de Weimar ao seu carrasco, do que permitir a ascensão eleitoral do PC alemão.
Como exemplo histórico é péssimo , já que o sectarismo era comum aos dois partidos, aos sociais-democratas e aos comunistas alemães.
A crítica ao ultra-esquerdismo da Internacional Comunista desses anos pode ser citada como exemplo em relação ao actual sectarismo do PCP, mas nunca pode servir para isentar o PS de Sócrates de um comportamento direitista e igualmente sectário em relação às forças à sua esquerda, cujo o exemplo mais chocante é o artigo já referido de Vital Moreira. Nem pode muito menos servir de apelo ao voto útil no PS, como ingenuamente nos querem convencer os ideólogos daquele partido.
Por último gostaria de lembrar que foi a própria Internacional, ainda no tempo de Estaline, que fez a crítica severa a estas posições ultra-esquerdistas, e defendeu posteriormente, a partir do VII Congresso (1935), a união de socialistas e comunistas naquilo a que viria a chamar-se as frentes populares, que tanto êxito tiveram na França, na Espanha e no Chile. Quem no nosso país sempre denegriu o frentismo, criticando-o e achincalhando-o mesmo, foram alguns socialistas, de que de certeza Vital Moreira é herdeiro, que consideravam que estava ultrapassado pelo socialismo moderno e que não passava de um velharia histórica. Era bom pois que metessem todos a mão na consciência e não falassem de cor sobre assuntos bastante sérios, que dificilmente se enquadram na actual chicana política.
No cimo, fotografia de Rosa Luxemburgo, uma das fundadoras do Partido Comunista Alemão, assassinada em 1919, com a cumplicidade da social-democracia de direita. Uma pequena homenagem.

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