02/10/2009

Dormindo com o inimigo. O apelo


Em post anterior já tinha escrito sobre a possibilidade de, depois das eleições, aparecer um documento a apelar mais uma vez à união das esquerdas, que neste caso assumiu o nome de Compromisso à Esquerda, com o subtítulo bastante curioso de Apelo à estabilidade governativa.
Joana Lopes, num post que escreveu para o seu Entre as Brumas da Memória, já fez a respectiva crítica, com a qual eu concordo plenamente, acho no entanto que devo acrescentar alguns comentários de natureza políticos e uma pequena adenda.

Entendo que social e politicamente o Bloco e a CDU, representando provavelmente camadas sociais diferentes e talvez complementares, correspondem sem dúvida a eleitorado que foi afectado seriamente pela crise económica, pelo desemprego e que politicamente não se revê nas medidas tomadas pelo Governo, quer genericamente em relação ao Código do Trabalho e à reforma da Segurança Social, quer àquelas que foram tomadas sectorialmente: a avaliação dos professores, as transformações no estatuto da Função Pública, a perda de pequenas medidas de protecção social em relação a diversas categorias profissionais, etc.
Neste sentido, estas camadas que genericamente se consideram de esquerda, com valores de justiça social, e que são herdeiras de um passado político que remonta ao 25 de Abril e às transformações económicas e sociais então verificadas, e que neste momento já valem eleitoralmente um milhão de votos, não gostariam de ver os responsáveis pela sua degradação económica aparecerem de braço dado com os dirigentes do Bloco ou da CDU. Por isso, um apelo a um compromisso à esquerda, exclusivamente para assegurar a estabilidade governativa, iria defraudar as suas expectativas políticas.
Uma coisa bem diferente é o que aqueles dois partidos farão para corresponder aos desejos das camadas sociais que eles representam e como conseguirão traduzir no futuro Parlamento as suas esperanças.
Neste momento a não concretização da unidade da acção entre o Bloco e a CDU é um dos problemas que afecta a esquerda, e que talvez merecesse algum apelo à sua convergência para o tratamento de assuntos concretos. Mas sobre isso, fico-me por aqui.
Defendo ainda, como escrevi no final do post anterior, que o Bloco tem que estabelecer uma clara política de contactos e alianças com possíveis forças emergentes à esquerda, que possam representar um aumento da sua influência política e eleitoral. A “esquerda grande” tem que ter conteúdo. O bloco social das camadas e estratos da esquerda tem que encontrar a sua representação política. Nesse aspecto, são indispensáveis os contactos com a esquerda do PS e com o conjunto de pessoas sem partido, que estão disponíveis para actuar conjuntamente com o Bloco. Este são as tarefas deste movimento, o PCP estabelecerá as suas.

Gostaria de focar aqui um outro aspecto. Uma parte das primeiras assinaturas é de ex-militantes comunistas, alguns deles membros da Renovação Comunista. Tenho para mim que este apelo corresponde para muitos a um desejo de unidade que sempre foi uma das características históricas do PCP.
Se nos reportarmos ao programa da Revolução Democrática e Nacional daquele partido e que foi o seu programa antes do 25 de Abril e, com pequenas adaptações, o subsequente àquela Revolução, veremos que nele sempre se defendeu a unidade das todas as camadas anti-monopolistas – formulação que ainda hoje é retomada por Jerónimo de Sousa aqui e ali –, primeiro, contra o fascismo e depois pela aplicação prática daquele programa com vista à construção da sociedade socialista. Sem me querer mais adiantar nas razões históricas do aparecimento deste tema no PCP, diria que a execução deste programa sempre foi um dos objectivos dos comunistas e que só o desvio esquerdista e sectário da actual Direcção tem permitido que, na prática, aquele Partido se afaste dele. Nesse sentido, para muitos comunistas a convergência com o PS é possível e desejável, tal como já se verificou no passado ou foi regularmente defendida. Esquecem que o problema já não se põe nos mesmos termos em que ele foi anteriormente abordado. Hoje o PS é comandado por um grupo que há muito deixou de ser, a nível nacional, o representante da social-democracia, com tudo aquilo que significa hoje aquela corrente política, mas que tem vindo a resvalar para um partido centrão, que, mantendo ainda no seu ceio uma corrente verdadeiramente social-democrata, representa hoje os grandes interesse económicos e patronais. Por isso, qualquer aliança com este grupo, consiste na prática, como eu digo no título do post, em dormir com o inimigo

Por último só uma pequena adenda de carácter pessoal. Envolvi-me, há tempos, em polémica com uma das subscritoras do abaixo-assinado do Compromisso de Esquerda, por sinal uma das mais destacadas pela imprensa. O Vítor Dias já escreveu o que havia a dizer sobre essa apoiante do Compromisso. Eu recordo, no entanto, apesar daquela polémica já não ter muito sentido, os termos em que a senhora se me dirigiu, com uma pequena ferroada anti-comunista, que não auguram nada de bom para aquele Compromisso.
Mais uma imagem da Frente Popular, em Fraça, em 1936. Desta vez destacam-se na fotografia Léon Blum e Maurice Thorez, que foi secretário-geral do PCF.

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