31/05/2010

Festa ou luta: a Manifestação de 29 de Maio


Já se passaram quase 48 horas sobre a Manifestação de 29 de Maio e eu, num atraso injustificável, venho escrever sobre um tema que já se dissolveu na espuma dos dias.
No entanto, não quero deixar de assinalar uma discussão que perpassou entre os blogs 5 Dias (ver aqui, aqui e aqui) e o Vias de Facto (ver aqui, aqui e aqui) e que se resume, naquilo que me interessa, entre saber se a Manifestação de 29 de Maio era uma festa ou uma jornada de luta. Houve um cartaz, que eu só vi reproduzido na blogosfera, que apelava à participação num “protesto geral”, chamando-lhe “Concentração Anti-capitalista”, e que decorreria meia hora antes da manifestação da CGTP, marcada para o mesmo dia, com início no Marquês de Pombal. Este apelo, tinha como subtítulo “A crise dos poderosos é a festa dos oprimidos”. Daí, portanto, além da discussão sobre os verdadeiros objectivos daquele apelo, debatia-se igualmente se aquilo que se iria passar no Sábado era uma festa ou uma jornada de luta. José Neves, com muita graça, terminava um post no Vias de Facto assim: “Ou alguém duvida que, depois da manif, boa parte dos que estamos aqui a escrever sobre este assunto, vamos é comer uns caracóis e beber umas cervejas e festejar a "jornada de luta"? Nesse momento, é só olharem para o lado e verem não sei quantos trabalhadores a fazerem o mesmo. Talvez aí vejam quão idiota é este jogo de espelhos.”
Eu por mim, que não gosto de caracóis, terminei esta manifestação comendo uma deliciosa tosta mista, acompanhada de cerveja. Mas no passado 25 de Abril lá fui comer os tradicionais caracóis e depois banqueteei-me, com aquilo que verdadeiramente aprecio, que são as conquilhas, por sinal bem grandes.
Mas abandonando este tom, um pouco cínico, sobre o final das manifestações. Gostaria de recordar que o verdadeiro enquadramento das mesmas tem pura e simplesmente a ver com as situações concretas em que se realizam e pouco devem às discussões teóricas que se tecem à sua volta.
Vejamos, durante anos, a UGT, no 1º de Maio fazia umas festinhas anémicas ali para os lados da Torre de Belém e dizia que estava a festejar o dia do trabalhador. Depois, quando ganhou coragem, lá passou a descer a Avenida da Liberdade e parece que acrescentou que a jornada também era de luta. A CGTP respondia sempre que festejar o dia do trabalhador era lutar pela melhoria das suas condições de vida e pelos objectivos concretos que se punham em cada 1º de Maio. Esta polémica durou anos e serviu para entreter muito locutor da televisão, que regularmente lá ia fazendo a cada um dos secretários-gerais das duas Centrais a tradicional pergunta se aquele dia era de festa ou luta. Por isso, lamento, mas quando leio estas discussões vêm-me sempre à memória esta bizarra polémica que todos anos servia para tema de abertura dos telejornais. É evidente que uma manifestação com os objectivos que esta tinha constituía uma jornada de luta, mas simultaneamente, dado o carácter pacífico em que decorreu, era também uma festa. Luta, e luta dura, foram durante o fascismo, as manifestações da Oposição, quando nos arriscávamos a ficar com uns hematomas na cabeça ou nas costas ou até, em casos excepcionais, uma bala no corpo. Essas não tinham qualquer carácter de festa. Era a fúria que nos tomava quando a polícia marchava sobre nós e quando a única arma que tínhamos eram as pedras retiradas do passeio.
Suspeito que alguns que clamam pela festa estão a pensar numa boa carga policial e nuns vidros partidos, numas barricadas, como no Maio de 68. A esses, só há que apelar para se organizarem e serem capazes de arrastar as massas para esse grau de luta, não se sirvam é das manifestações dos outros, dos tais reformistas, para fazerem peito à polícia e ao poder. Não podemos, com irresponsabilidade, transformar jornadas que são de luta e combatividade, mas também de festa, em cargas policiais que afastariam milhares de trabalhadores organizados e deixariam isoladas as vanguardas "esclarecidas". Aquilo que demorou tantos anos a conquistar: a legalidade de nos podermos manifestar, não pode ser transformada em cargas policiais. Uma manifestação não é e a tomada do Palácio de Inverno e mesmo muitas nem sempre resultam na vitória das nossas exigências sociais.

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