26/10/2010

Alguns temas delicados, as atribuições dos prémios Sakharov e Nobel da Paz. I - Prémio Sakharov


Tinha-me até à data recusado a comentar a atribuição destes dois prémios. Mas como quem cala consente, dir-se-ia que eu estava entre aqueles que achava bem o que se tinha passado e nada tinha dizer sobre o assunto. Não é assim, queria estar de bem com Deus e o diabo. Ora isto não é possível. Não há inocentes na luta ideológica e política à escala internacional.
Comecemos pelo mais simples, pelo Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento atribuído ao “dissidente” cubano Guillermo Fariñas. A proposta de prémio foi apresentada pelo grupo Popular Europeu, que agrupa os partidos conservadores do Parlamento Europeu. Mário David, que fez afirmações "bonitas" a propósito de Saramago – queria que ele renunciasse à cidadania portuguesa a propósito das declarações sobre a Bíblia –, e é vice-presidente daquele grupo, congratulando-se com o prémio disse "o regime cubano aproxima-se inexoravelmente do seu fim". Diz ainda a notícia que venho citando: “Questionado sobre o facto de o Prémio Sakharov de direitos humanos ser atribuído pela terceira vez nos últimos dez anos a um indivíduo ou organização que se distingue na luta contra o regime cubano, Mário David sustentou que "é porque se calhar é um daqueles regimes que mais tem violado os direitos humanos e a liberdade de expressão". Acreditam nisto?
Mais ainda, este Prémio foi, segundo noticia o Público, atribuído numa altura significativa: “A decisão do Parlamento Europeu acontece a quatro dias de os Vinte e Sete reunirem no Luxemburgo para reverem a posição comum da União Europeia em relação a Cuba, que desde 1996 restringe os contactos dos Estados-membros com o Havana às questões dos direitos humanos e democratização. O Partido Popular Europeu (PPE) opõe frontalmente à alteração dessa posição comum.
Quem, no Parlamento Português propôs o voto de saudação, foi o CDS-PP (ver declarações e resultado da votação aqui). É interessante que em relação ao Prémio Nobel da Paz atribuído ao “dissidente” chinês ninguém no Parlamento português tenha proposto um voto de saudação. Respeitinho é muito bonito.
É por todo este enquadramento, que eu não acho que seja inocente, que considero que a atribuição deste Prémio é uma forma de pressão contra regimes que em determinado momento não interessam às forças dominantes. Por isso, temos que manter uma certa distância crítica em relação ao sucedido e não embandeirara em arco com a personalidade e o regime escolhido.
È verdade que há problemas reais de liberdade de expressão e de direitos humanos em Cuba, simplesmente há certos amigos dessa liberdade que não me convencem com a sua súbita conversão à sua defesa. Sobre Cuba, numa outra altura em que ainda os problemas reais da economia que agora atravessa não tinham sido discutidos pela Direcção comunista, já dei aqui a minha opinião. Sobre a atribuição deste prémio tenho pois sérias dúvidas sobre os objectivos que se propõe alcançar.

PS.: escrevo "dissidente" entre aspas, porque não considero que seja a expressão mais correcta. Parece-me bem melhor a de opositor ao regime ou a de activista político, já que a sua actividade consiste em fazer política. Nunca ninguém em Portugal chamou a Cunhal dissidente, mas sim opositor político a Salazar.

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