18/11/2010

Quando as polícias são a fonte da contra-informação e os jornalistas os seus divulgadores passivos


Depois de ter escrito o post anterior sobre a detenção de um espanhol e de uma portuguesa que transportavam “armas brancas” e “panfletos anarquistas e anti-polícia”, segundo as próprias palavras de quem os deteve – facto que eu desconhecia –, resolvi perder umas boas horas a fazer uma pesquisa no Google para saber o que é que os media tinham de facto dito, já que me baseei unicamente no que vi na TV, em algumas notícias do Público, as mais inócuas, e numa notícia da TSF, que transcrevi.

A primeira conclusão que tirei é que, com pequenas variações, todos as notícias repetem o mesmo, tendo sido provavelmente cozinhadas com a ajuda dos faxes da Agência Lusa. Depois, percebe-se que a principal fonte de informação é a GNR, até posso citar um oficial que deu as informações (ver TSF ) e provavelmente do SEF (ver vídeo da TVI 24). Aquilo que eu no post anterior denominei acções de contra-informação do Governo e da Nato são de facto destas duas polícias. As TVs têm mais informação porque enviaram ao local, neste caso à fronteira de Caia, jornalistas que relatam in loco, entrevistando os oficiais da GNR ou do CEF, as informações ou desinformações que estes queiram prestar.
Fica claro que na noite de segunda para terça-feira, por volta das 4h00 da manhã, foram presos um espanhol e uma portuguesa, que se dirigiam para Portugal por aquela fronteira. Há uma reportagem da SIC (a mais completa que conheço e que vale a pena ver) em que se diz que eles vinham no Expresso Madrid Lisboa, quase todas as outras garantem que vinham num carro. Uma tal jornalista do Diário de Notícias, chamada Valentina Marcelino, afirma que foi por encontrarem roupas negras no porta-bagagens que a polícia desconfiou que eles pertencessem ao Black Bloc e os recambiou para o outro lado da fronteira. Esta jornalista manifesta uma clara imaginação, parece que já é contumaz, pois a sua descrição não corresponde ao que foi declarado pelas polícias.
É provável que Valentina, de mãos dadas com José Manuel Anes, queira confirmar a tese daquele de que eles já estavam todos cá.
Portanto, o que se sabe é que depois de uma revista ao porta-bagagens do carro, foram encontradas armas brancas. Na reportagem da SIC já referida vêem-se as armas, a tal catana de 40 cm - se alguém souber o que é uma catana, uma que só tenha 40 cm é bem pequena - depois uma navalha tipo borboleta, que eu não sei bem o que seja, e um estilete, também pequeno. Foi por isto que a maioria das notícias afirma, e provavelmente de acordo com a rádio Elvas, que estes cidadãos foram levados a tribunal e numa acção sumária foram condenados a pagar 1800 euros, cada um, e às custas judiciais, que ficaram pelos 500 euros. O tribunal recusou-se a confirmar esta notícia. Logo a seguir o cidadão espanhol foi expulso para Espanha e, de acordo com as declarações de um GNR feitas para uma televisão, estas já escutadas por mim, a cidadã portuguesa acompanhou-o.
Resta no meio disto tudo a informação prestada pela GNR e pelo CEF sobre os panfletos. Alguns jornais chamam lhes cartazes, mas aquilo que foi mostrado na tal reportagem da SIC são panfletos, que eram de má qualidade porque eram fotocópias, o que não é razão, e estavam escritos em espanhol – óptimo para convencer portugueses. Naquele que nos é mostrado vê-se um polícia, mas não se consegue ler o que lá está escrito, no entanto a SIC sublinhou duas frases, uma: “torturam, maltratam e gozam de impunidade”- veja-se o caso do cantor negro rapper que foi assassinado numa operação stop - a outra “eles expulsam emigrantes” - parece que não é verdade -. Já se sabe que, pela voz das tais entidades, os panfletos são de cariz anarquista – esta do cariz é minha – e anti-polícia a que alguns acrescentam com apelos à violência. Como eu já vos tinha afirmado no post anterior, quer numa reportagem da SIC Notícias, quer na TSF, desaparece o termo anarquista e os panfletos passam a ser só anti-polícia. Hoje reparo que isso se verifica em mais locais.
Concluindo, desconheço qual a legislação que impede a entrada de cidadãos estrangeiros indesejáveis e o que é que está estabelecido nos acordos que aboliram as fronteiras em alguns países da EU. Não sei também o que é que a lei estabelece sobre o que se considera armas brancas que não se podem transportar, penso que também deve haver definições para isso. Se eu levar para um piquenique uma faca, posso ser acusado de transportar uma arma branca? Se a polícia embirrar comigo provavelmente sou. Ou se tiver um canivete suíço, daqueles que têm múltiplas funções, também estarei ao abrigo de tal legislação? De avião sei que nos impedem de transportar as coisas mais mirabolantes.
Agora o que não se pode acusar ninguém é de transportar panfletos anarquistas, e dessa coisa indefinida, que é ser anti-polícia. Ainda ontem na SIC um cidadão se queixou que tinha sido barbaramente agredido numa esquadra, porque o confundiram com um ladrão. Isso não será propaganda anti-polícia. E mesmo que o panfleto fizesse apelo à violência, coisa muito discutível, só um tribunal e de acordo com a lei, se ela existir, poderá definir e julgar se isso é ou não crime.
Tudo o que foi dito e escrito é um exemplo, dos velhos métodos da PIDE, de que a polícia nunca se libertou, e de um jornalismo vendido e passivo capaz de aceitar como boas as justificações das polícias. Ou seja, se a polícia prende um cidadão e o recambia para o seu país de origem por transportar cartazes anarquistas e o diz publicamente está a socorrer-se dos velhos métodos de prender alguém por transportar propaganda subversiva. Compete aos jornalistas quando dão a notícia dizer que isso não é crime e que essa nunca poderá ser uma boa razão para prender alguém. Algum jornalista disse isso?

Gostaria de terminar com estas afirmações de um major da PSP que em relação às manifestações que estão previstas, e que obedecem ao que está estipulado na lei, recomenda que ninguém pode andar de cara e cabeça tapadas. Esta última é uma exigência perfeitamente absurda, porque eu tenho frio na cabeça e preciso de usar boné ou chapéu. Também não se pode levar objectos cortantes ou contundentes, admito. Mas o que é verdadeiramente grave e atentatório das liberdades é a recomendação de que os manifestantes devem evitar a "associação a grupos com cariz anarco-libertário". Então já é o major que decide quem é que participa na manifestação?

É por estas e por outras que é necessário defender a todo o custo a legalidade democrática e poder a todo o momento dizer ao major, e a todos os GNRs e SEFs de Portugal, que a PIDE já foi extinta e que não toleramos métodos semelhantes.

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