08/05/2011

A ofensiva neo-liberal, a esquerda que claudicou, e os salvadores da Pátria - I

Por razões várias, não tenho escrito nada. Quando penso postar qualquer coisa relativa à espuma dos dias eis que já passou tanto tempo, que aquilo que queria dizer perdeu toda a actualidade. Por isso escreverei sobre um assunto que nos irá ocupar durante longos e penosos anos.

Já deu para perceber que o “acordo” que Portugal subscreveu com a chamada troika é composto por duas partes, a primeira que visa transferir forçadamente dos nossos bolsos uma soma considerável de dinheiro para os bancos e os agiotas internacionais. É a parte do aumento dos impostos, do corte das pensões, da impossibilidade de deduzir despesas com a saúde e outras no IRS. É também o aumento da electricidade e dos transportes e, para não ser exaustivo, mais um conjunto de horrores que tornarão a nossa vida num inferno. A segunda parte, que delicia, os nossos políticos, desde o PS ao CDS, que consiste naquilo que eles há muito tempo chamam as reformas estruturais, mas que no fundo não passam da desregulamentação neo-liberal da nossa estrutura económica, acima de tudo da já frágil e débil regulamentação do trabalho, tornando-a mais flexível e permitindo aos patrões despedir por menor preço e à segurança social pagar menos, e durante menos tempo, o subsídio de desemprego. O que é que isto significa? Que o trabalhador amocha perante o patrão para não ir para a rua e aceite trabalhos degradados para não ficar completamente descalço, sem qualquer subsídio. É o reino do salve-se quem puder, em que os patrões terão a faca e queijo na mão.

Contra esta barbárie civilizacional os três partidos, daquilo que a imprensa dominante classifica do arco governamental, apressaram-se, à compita, a dizer que foram eles os responsáveis por tão ignóbil compromisso e que tinha sido devido à sua perseverança negocial que se tinha obtido um acordo tão “favorável”. Foi ver a triste figura de Sócrates a dizer o que o acordo não era e Catroga, nervoso e a suar por todos os lados, a garantir que o que de bom lá estava tinha sido da responsabilidade do PSD e dele. De seguida, o CSD assegura-nos o mesmo. Triste espectáculo.

Dito isto, o mais espantoso é que no conjunto de gente que é tocada por aqueles três partidos, principalmente no PS, não haja ninguém que se levante e diga que o rei vai nu, que o acordo é mau e que expresse a sua crítica às medidas propostas. O mais espantoso é que o aceitam. Acham que aqui e ali até nem se foi tão longe como eles desejavam, e que é gravoso para o povo português, mas era inevitável, porque se estava a viver, segundo dizem, acima das nossas possibilidades. Alguém viveu, que não fomos nós, os que dependemos diariamente do nosso trabalho.

Por tudo isto, o próximo governo será formado pelos três partidos que assinaram de cruz o acordo. Todos juntos ou aos pares, e as combinações possíveis são só mais três, lá estarão eles na disposição de garantirem que o acordo será aplicado.

Restam o Bloco e o PCP como resistentes. Cada um à sua maneira protestou, não falaram com a troika, e dispõem-se agora a lutarem contra as medidas propostas.

Aqui, direi eu, é que a porca torce o rabo. Por razões que têm a ver com idiossincrasias próprias, pelos eleitorados diferentes que tocam e no caso do Bloco pela franja ainda recente que abrange, tem-se a sensação, aumentada pelos media e comentadores, que não estão a conseguir aparecer como um frente unida contra estas medidas. É verdade que se está numa altura de conquistar votos, o que torna as coisas ainda mais difíceis. Mas parece claro que toda a esquerda, que está contra o acordo, todas as organizações sociais, neste caso os sindicatos, que se lhe opõem, não foram capazes de criar uma frente única contra esta situação. Antes do acordo proliferaram manifestos que hoje já ninguém recorda e em nada influenciaram o seu desfecho. Actualmente deveria haver uma frente única, com vozes de economistas, intelectuais e políticos que constituíssem a grande fronda que se opõe e luta contra o acordo. Ora nada disto está a suceder, na esquerda está cada um para seu lado, isto para já não falar daquela que claudicou e continua a sonhar, em condições completamente diferentes, com um governo de esquerda, PS, Bloco e PCP, tal Carmelinda Pereira, ressuscitada ao fim de trinta anos.

Mas isto fica para novo post.

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