22/10/2011

As boas almas e a morte de Kadafi

Talvez seja da idade, mas cada vez suporto menos, dentro da esquerda, os comunistas ortodoxos e as boas almas que estão sempre a pregar sobre a liberdade e a democracia, esquecendo-se de examinar cada caso em si e cedendo, porque são preguiçosas, à pressão mediática dos meios de informação ocidentais.

Vem tudo isto a propósito de alguns posts que li sobre a morte de Kadafi. João Tunes, do Água Lisa, sempre o mesmo, mas foi exclusivamente porque estive a consultar o seu blog por causa do meu post anterior, tem um pequeno apontamento exclusivamente com uma fotografia da cara de Assad, da Síria, e por cima dela duas linhas cruzadas feitas à mão. Este conjunto é encimado pelo título Siga-se…Assad. Já se sabe que a este senhor não lhe ocorreu pôr a cara do rei da Arábia Saudita, que do ponto de vista dos direitos das mulheres é um país bem mais horrível do que a Síria em relação àquele género.

Não se lembrou também de pôr a cara do presidente do Iémen, que parece que regressou novamente ao seu pais, nem do rei do Bahrein, que com a ajuda dos sauditas “meteu na ordem”, com mortos e feridos, os revoltosos xiitas que pediam mais liberdade. Teve que recorrer ao inimigo número um das potências ocidentais e que diariamente é contestado nos media, que há muito se vão esquecendo dos outros casos de despotismo no Médio Oriente.

No post anterior, não fosse alguém ficar chocado com a morte macaca de Kadafi, expõe a fotografia de Mussolini e outros pendurados de cabeça para baixo numa praça de Milão e acrescenta quem não se indignou com este tratamento dado ao ditador italiano não se pode agora indignar com a morte de Kadafi, como se uma coisa tivesse a ver com a outra. Mas sobre a morte de Kadafi já escreverei a seguir.

Rui Bebiano, do A Terceira Noite, com mais classe e menos provocador, aborda também a morte de Kadafi. Lamenta-a, mas justifica-a, mas o pior é esta pequena frase “só porque andam uns quantos aviões pouco inocentes a cruzar os céus em voo picado”. Apesar de dizer que a intervenção dos aviões da NATO são pouco inocentes, dá pouca importância à sua intervenção. Eu sei que se fala na televisão em diversas versões para a morte de Kadafi e que as Nações Unidas já mandaram averiguar em que circunstâncias morreu. Contudo, depois da intervenção de um ministro do governo francês, que alardeando que foi um Mirage que detectou e bombardeou a coluna em que Kadafi seguia, não me restam dúvidas de que os ferimentos iniciais que se diz que existiam são da responsabilidade desse bombardeamento e que, quase de certeza, os rebeldes foram avisados da sua localização. Posteriormente, se foi morto ao sair do túnel (ver fotografia) onde se refugiou ou se andou em bolandas até ser morto são pormenores pouco importantes.

Tudo isto para dizer que se não fossem os aviões e os "consultores" no terreno da NATO que, de acordo com a resolução das Nações Unidas, tinham uma missão bem diferente, nunca os rebeldes tinham vencido e morto Kadafi. Ou seja, já que gostam de fazer comparações e tomarem posições de princípio, em que é que esta guerra diferiu da invasão do Iraque por Bush, que de certeza condenaram? Não conduziu qualquer delas ao derrube do ditador e à sua morte, seja por enforcamento, caso de Saddam Hussein, ou por fuzilamento, caso de Kadafi. No fundo, não foi devido à intervenção estrangeira, para mim do imperialismo, que estes ditadores caíram? Será que a diferença está no mandato das Nações Unidas, que no Iraque não existiu e na Líbia foi completamente subvertido?

Tanto num caso como noutro não sabemos o que o futuro reservará aqueles dois países, só sabemos é que o petróleo continuará a correr para os bolsos das grandes companhias petrolíferas e que, tanto num caso como noutro, pouco restará para a sua população. Mas sabemos mais que tanto a queda da estátua de Saddam como a tomada de Tripoli, foram saudadas pelo CDS como novos 25 de abris.

Alguma coisa está errada nestas apreciações.

Mas não deixaria também de assinalar esta outra frase no texto de Rui Bebiano: “Como custa a entender … o silêncio cúmplice diante dos milhares de mortos sírios de Bashar Al-Assad”. Mas quem é que é cúmplice? Todos os dias são noticiadas as mortes lá ocorridas. Há resoluções da União Europeia e das Nações Unidas sobre o assunto. A senhora Clinton já fez diversas advertências. O que é que queriam mais, talvez a NATO a bombardear com fins humanitários a Síria? Simplesmente, ali não há petróleo. O silêncio cúmplice tem baixado é sobre a repressão dos xiitas no Bahrein, com a ajuda dos sauditas, que como são amigos dos ocidentais são sempre esquecidos nestas coisas de direitos humanos. Tristes tempos que estamos vivendo.

PS.: Estes dois blogs foram referidos, um, porque ocasionalmente passei por ele, e outro, porque é uma das minhas consultas quase diárias, não foi por nenhuma animosidade especial. Provavelmente muitos outros saudaram a morte de Kadafi, simplesmente não os li.

Acabei de ler, no Público, A bizarra história da intervenção na Líbia (sem link), de José Pacheco Pereira, e acho que ele aborda este tema de uma perspectiva com que concordo. Eu sei que ele apoiou a intervenção no Iraque e que deve achar esta guerra uma intervenção da social-democracia (Obama), tal como já tinha sido a intervenção contra a Sérvia, que ele também não apoiou. Mas Pacheco Pereira quando está contra, seja em relação ao Governo ou à política internacional, é tão lúcido e apresenta por vezes tal argumentário que consegue ultrapassar as proclamações da esquerda sobre os mesmos temas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Cheira-ma alguma insanidade intelectual.
E pronto.

João Pedro

Jorge Nascimento Fernandes disse...

Como não se explica não sei aquem se refere, se ao autor do post se aos criticados. Mas obrigado pelo seu comentário.