17/10/2011

Na antecâmara do fascismo

Passos Coelho fez um discurso em que se propunha esbulhar os portugueses em vários milhões de euros, deixando no ar a ideia de que a culpa era do colossal desvio orçamental que tinha sido descoberto nas finanças públicas. A responsabilidade cabia por inteiro ao anterior governo. Na Assembleia da República, no dia seguinte, voltou a afirmar que as medidas eram dele, mas o défice que as obriga não, que as televisões depressa identificaram como sendo deixado pelo PS. A seguir o CDS faz o número de exigir saber quem tinham sido os responsáveis ministério a ministério, divisão a divisão, por este colossal desvio, ou seja, quem em qualquer lugar tinha contribuído para isto suceder e continuava impune. O primeiro-ministro responde que se iria averiguar parceria público-privada a parceria público-privada, contracto a contracto, departamento a departamento quem, como e porquê estava na origem destes encargos insustentáveis. No meio tudo isto, o dirigente da Juventude Social-democrata diz que vai escrever ao Procurador-geral da República para pedir a criminalização dos responsáveis por este buraco orçamental. Tudo isto, misturado nos noticiários das televisões, fazia passar a ideia de que José Sócrates e o seu Governo poderiam vir a ser acusados na Justiça por este colossal desvio.

Repetiram-se estas notícias até à exaustão durante todo o dia, fazendo despontar nas pessoas o desejo de meter na cadeia o anterior Governo.

O que é que isto nos faz lembrar?

Não sendo capaz de resolver os problemas nacionais, a direita começa não só a criar os inimigos públicos internos, neste caso o anterior governo e os dirigentes por ele nomeados, como inicia a caça às bruxas tentando descortinar em cada gestor público ou governante um criminoso.

Como sabemos estes métodos são a antecâmara do fascismo que sempre encontrou na plutocracia, nos judeus e nos comunistas os responsáveis pelos males internos. É verdade que estes inimigos nem sempre foram os mesmos. Para os nazis eram os judeus os responsáveis pelos males da Alemanha,  por isso, exterminou-os. Para Franco eram todos aqueles que fizeram parte da Frente Popular que tentou impedir que ele tomasse o poder. Foram presos e a maioria fuzilada. Para Salazar e Marcelo eram todos aqueles que dissessem mal do Governo ou, na parte final, os que pusessem em causa a continuação da guerra colonial. Neste caso eram só metidos na prisão, excepto os que foram mortos pela PIDE.

Este tema da criminalização do Governo anterior e dos seus gestores é muito popular e tem encontrado eco em algumas personalidades da nossa vida intelectual. Por outro lado, tem sido levado com alguma leviandade e ligeireza por outros. Ainda ontem Marcelo Rebelo de Sousa, no seu comentário na TVI, achava melhor que em vez de se criminalizar e procurar os responsáveis, pois podia paralisar a máquina do Estado, que passaria o seu tempo a fazer investigações sobre o assunto, se propusesse uma lei que conduzisse ao mesmo, ou seja, aperfeiçoar a responsabilização criminal.

Não vi ainda ninguém, entre os comentadores de serviço, que achasse que este caminho era perigoso. Há mesmo alguns, como José Gomes Ferreira, o comentador económico da SIC Notícias, que propõem imediatamente a criminalização dos anteriores responsáveis (ver aqui). Já conhecíamos este senhor como um dos mais convencidos comentadores daquela estação de televisão.

Vai mal o país quando se propõe criminalizar aqueles de quem se discorda politicamente. Mas é interessante que Passos Coelho não queira falar em responsabilidade política. Para ele é mais simples apontar o dedo aos responsáveis do que hostilizar o PS, e a populaça aplaude. O PS sempre pode abster-se no orçamento de Estado e votar as leis fundamentais ao lado do Governo. Sócrates e alguns chefes de Divisão são mais facilmente responsabilizados por este desvio. No entanto, já há alguns, como Miguel Relvas, que querem a cabeça de alguns deputados que foram ministros, talvez Silva Pereira, pois riem-se muito no Parlamento e mandam apartes violentos aos deputados do PSD-CDS. Deviam estar com cara de enterro. Que tristeza, mas o grave é que isto pode ser a antecâmara do fascismo, agora com outro nome.


PS.: muitas destas afirmações são baseadas em declarações que li no Público e ouvi nas televisões. Não consigo fazer link para nenhuma delas porque hoje, apesar de todos órgãos de informação garantirem que estão presentes na Internet, depois, na prática, não se consegue aceder àquilo que nos interessa. No Público é preciso pagar para se ter acesso a toda a informação, dantes era só para os artigos de opinião. Nas TV dá-se este fenómeno curioso, na SIC o noticiário das oito só está acessível durante dois a três dias, como as notícias eram do dia 14, já não foi possível aceder. Nas outras duas televisões, os últimos noticiários ainda não foram inseridos, portanto, ainda não se chegou ao dia 14. Quanto à crónica do Professor Marcelo só se encontram extractos, não consegui aceder ao comentário integral e nenhum dos extractos era referente ao assunto por mim referido.

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